Morre Gilberto Braga, um dos mais criativos autores de novela do Brasil
Ele tinha 75 anos e estava internado num hospital do Rio de Janeiro. O autor criou o sucesso “Dancin’ Days”, “Vale Tudo” e “Celebridade”
Um dos mais criativos autores da televisão brasileira — tanto que se tornou uma estrela, equivalente a alguns atores —, Gilberto Braga morreu na terça-feira, 26, aos 75 anos, no Rio de Janeiro. Estava internado no Hospital Copa Star, em Copacabana. Uma perfuração de esófago gerou uma infecção sistêmica, que, incontrolável, levou-o à morte. Ele deixa o viúvo Edgar Moura Brasil.
As novelas de Gilberto Braga não eram pasteurizadas, tinham estilo. Eram, por assim dizer, autorais. Ele parecia entender à perfeição as contradições da sociedade brasileira, notadamente de suas classes médias e elites. Soube mostrar, com habilidade, a complexa imbricação das classes sociais no Brasil. Com ele, não tinha água com açúcar. Por vezes, as cenas eram eletrizantes. Alguns de seus personagens fizeram história e até entraram para o imaginário coletivo.
“A Escrava Isaura”, novela adaptada a partir do romance de Bernardo Guimarães (que foi juiz em Catação e escreveu poemas eróticos), fez sucesso no Brasil e no exterior. Em Portugal, tentaram agredir o ator que fez o personagem Leôncio (Rubens de Falco).
“Dancin’ Days”, de 1978, fez um sucesso tremendo, com Joana Fomm e Sonia Braga. Glória Pires brilha, bem jovem, na novela. Sônia Braga disse de Gilberto Braga: “Gilberto foi um dos autores mais revolucionários da TV. Mas sentirei ainda mais falta do amigo”. Atriz Joana Fomm relata que a maldade de sua personagem era tão realista que, nas ruas, era insultada pelo público.
Vale Tudo
“Vale Tudo” talvez seja uma das principais novelas feitas no país. Porque reflete a luta pelo poder nos poros da sociedade. Odete Roitman, interpretada com mestria por Beatriz Segall, e Maria de Fátima, por Glória Pires, fizeram um sucesso extraordinário. Típica integrante das elites patropis — desses que ganham dinheiro no Brasil e investem fora (nos paraísos fiscais) —, Odete Roitman detestava o Brasil e, por extensão, os brasileiros. “É um povo preguiçoso. Isso aqui é uma mistura de raças que não deu certo. Conheço uns dois ou três que não são”, dizia. Fica-se com a impressão de que, com Gilberto Braga e “Vale Tudo”, Machado de Assis “chegou” à televisão brasileira. A ironia da novela é machadiana, com laivos de Nelson Rodrigues.
Em “Vale Tudo”, Gilberto Braga retratou o alpinismo social do país — em que “santos” e “demônios” se mesclam, nas suas ambiguidades e contradições. Maria de Fátima, por exemplo, trai a mãe com o objetivo de obter ascensão social. Ela se casa com Afonso — o ator Cássio Gabus Mendes —, filho de Odete Roitman. As duas se atritam, porque são diferentes, mas, ao perceberem identidades — como o caráter mefistofélico de ambas —, se tornam aliadas.
Na época da novela, 1988, o Brasil só discutia: “Quem matou Odete Roitman?” (a Constituinte também era discutida, é claro, mas, nas ruas e nas casas, menos do que a novela). Maria de Fátima era a culpada? Não. A criminosa era Cássia Kis, a Helena. Dado o caráter realista da novela, avessa ao romantismo tradicional, Maria Helena continuou “estrelando”.
O que Gilberto Braga mostra também, para além das maldades, são mulheres fortes, senhoras de seu destino. Nesta novela, as atrizes deram um espetáculo à parte.
Num depoimento, Beatriz Segall disse a respeito da personagem Odete Roitman: “Acho que é uma personagem que vai ficar, não por minha causa, na história. Eu fui gostando muito de fazer a personagem. Eu fazia com um prazer imenso. Quanto mais maldade ela fazia, mais interessante o papel ficava”.
O Dono do Mundo
Em 1991 o Brasil assistiu, com prazer e raiva, a novela “O Dono do Mundo”. Antônio Fagundes interpreta Felipe, um cirurgião plástico de sucesso antiético. Gilberto Braga mostra um corrupto-corruptor em sua inteireza, sem firulas, com realismo extremo. Walter (Tadeu Aguiar) e Márcia (Malu Mader) vão se casar. Ele é funcionário de Felipe, que aposta com um amigo que transará com Márcia antes mesmo do noivo. O médico inescrupuloso ganha a aposta.
Quando encontra Márcia nos braços de Felipe, Walter sai num automóvel e morre num acidente. A novela, a partir daí, pega fogo, mobilizando os telespectadores.
Gilberto Braga às vezes chocava o teléfilo porque mostra a sociedade com realismo absoluto. Ele retirava a “roupa” da hipocrisia nacional, exibia os complexos jogos sociais, com vítimas quem não eram tão vítimas. Talvez por isso fosse mais admirado (inclusive pelos intelectuais) do que amado pelo grande público (que, por vezes, gosta, nem que seja um pouco, de novela “água com açúcar”).
Celebridade
“Celebridade”, de 2003, é um dos grandes sucessos de Gilberto Braga. Maria Clara Diniz (Malu Mader) é a rica e famosa que usurpou, por assim dizer, o lugar social de Laura (Cláudia Abreu), a vilã. Aliás, quem não é vilão nesta novela? Por sinal, o início da trama é eletrizante. Talvez seja um exemplo de como começar uma novela — agarrando o interesse do público desde o início.
Com a maldade na alma (tipo personagem de Bette Davis), Laura se alia ao michê Marcos (Márcio Garcia) para se vingar de Maria Clara Diniz. Ela consegue tomar o que é de Maria Clara.
O Brasil vibrou quando, num banheiro, Maria Clara surrou Laura (uma vilã extraordinária). Chegou-se, na época, a contar o número de tapas dados — 28. Conta-se que, a cada tapa, a audiência subia um ponto.
Mais uma vez, as mulheres são protagonistas e os homens, coadjuvantes.
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