O esporte nacional é atacar Kamala
Estamos todos dentro do pátio dos colégios dos anos 70 com essa nova algazarra sobre o que seria a verdadeira índole de Kamala Harris. É divertidamente colegial, é quase infantilmente secundarista a gritaria dos que nos alertam para o que nos espera se a democrata for eleita.
Mas é também uma barulheira que nos rejuvenesce. Temos a possibilidade de ouvir e ler de novo que todos eles e elas, republicanos e democratas, são iguais. E que Kamala pode ser perigosíssima.
Só falta alguém dizer que todos são ianques. Não há muito o que fazer, além de pedir, como diria Maduro, que tomem chá de camomila. Esquerdas inseguras não saem da adolescência, como os rapagões que não saem de casa.
Democratas, republicanos, novos trabalhistas britânicos e, para alguns, até a Frente Ampla moderada de Mujica no Uruguai, se revirar bem, são tudo a mesma coisa. Porque não atendem as demandas represadas das esquerdas do século 20 e suas desilusões trazidas de arrasto até o século 21.
Por medo de se afastar muito da realidade idealizada e perder performance e discurso, é preciso que muitos digam que Kamala e Trump são quase gêmeos na essência do que é o imperialismo. Não dizem quase nada.
Numa conversa também colegial, é possível perguntar se Tabata e Tarcísio são parecidos na sua essencialidade direitista. Simone Tebet e Caiado? É possível montar listas intermináveis.
Se Kamala e Trump não se diferenciam em nada que seja relevante, que se aceite que Fernando Haddad, enredado nas armadilhas liberais do arcabouço fiscal, seria hoje apenas um Paulo Guedes sem arrogância.
E que se pergunte a Celso Amorim que história é essa que ele andou pregando numa entrevista nos Estados Unidos, de que o mundo precisa de um novo Kissinger, que tenha sabedoria e autoridade para dizer parem com isso.
Sabemos todos que precisamos também de um Ulysses Guimarães que não existe mais. Que chegue com calma no pátio e diga que sem o pessoal de centro e até sem os coronéis da direita não teríamos essa Constituição.
Que a direita que existe hoje não ataria as chuteiras de um direitista dos anos da Constituinte. Que Lula foi cercado por milicianos que ameaçam e achacam, e que só parecem ser de direita, e que o esquerdismo sobrevivente não envolve mais nenhum tipo de ação política e nem livresco consegue ser, porque nem literário é.
Sabemos bem no que isso resulta, desde quando a porteira foi aberta pelas revoltas de 2013. Por que então registrar, destacar e tentar rebater o que parte da esquerda reproduz com a mesma pegada da síntese rasa e precária da extrema direita?
Porque caímos sempre nas armadilhas do pátio do colégio do século 20, por vício pelo debate antigo, por nostalgia, pelo ócio recreativo, porque as gurias estão chegando e porque, na realidade do pátio, brócolis e couve-flor são tudo a mesma coisa.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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