Fonoaudióloga conta jornada de 10 encontros e 50 cartas com o Maníaco do Parque
Intrigada pelo funcionamento da mente humana, a fonoaudióloga luso-brasileira Simone Lopes Bravo decidiu se corresponder com um dos assassinos em série mais temidos do Brasil: Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “maníaco do parque”. Condenado a mais de 200 anos de prisão por uma série de crimes cometidos em 1998, Francisco aterrorizou São Paulo ao matar sete mulheres e confessar outros ataques.
Em entrevista ao UOL, Simone relatou detalhes sobre as trocas e sua curiosidade em estudar o comportamento humano. Ela conta que compartilhou cartas e visitou Francisco, resultando no livro ‘Maníaco do Parque: A Loucura Lúcida’.
Durante a pandemia, com menos demandas no consultório, Simone se dedicou ao estudo de psiquiatria e aprofundou-se no funcionamento das mentes consideradas criminosas. Um interesse que cresceu após assistir à série Mindhunter, focada na análise psicológica de assassinos em série. Inspirada, Simone decidiu escrever cartas a detentos no Brasil e em Portugal, curiosa sobre as respostas que receberia.
“Escrevi para oito reclusos, e Francisco foi o único que respondeu,” compartilha. A resposta do “maníaco do parque” surpreendeu a fonoaudióloga, que nunca imaginou que ele aceitaria o contato.
No entanto, o interesse de Francisco foi imediato. Em sua carta, ele mostrou abertura para a visita de Simone, interpretando o contato como uma “resposta de Deus” após uma década sem receber visitas.
A partir desse primeiro contato, a troca de cartas entre ambos se intensificou, resultando em mais de 50 correspondências ao longo de dois anos. “Ele queria saber do projeto, receber minha visita (..) O tema central dele é espiritualidade, tanto é que a primeira coisa que ele pediu para eu levar era uma Bíblia”, diz Simone, evidenciando um lado espiritual inesperado no criminoso.
Visitas ao presídio
A correspondência inicial gerou um vínculo entre Simone e Francisco, levando-a a solicitar uma autorização formal de visita. A primeira visita, entretanto, foi adiada várias vezes devido às restrições do sistema penitenciário. Francisco chegou a sugerir que Simone declarasse um vínculo afetivo para facilitar o acesso, mas ela recusou, mantendo a formalidade e o distanciamento.
Quando a visita finalmente aconteceu, o encontro se deu por parlatório, com os dois separados por um vidro e conectados por telefone. “Fui bem recebida e havia proximidade, mas a comunicação nunca é fácil porque sempre há manipulação e confusão”, relembra Simone.
Francisco, por vezes, confundia as intenções da fonoaudióloga, alternando entre chamá-la de “doutora” e apelidos como “meu amor” e “bonequinha”, o que evidenciava a falta de clareza em sua percepção das relações. “Às vezes, eram todos estes nomes na mesma carta”, conta.
A complexidade da mente de Francisco
As cartas trocadas entre Simone e Francisco revelaram um homem com forte inclinação espiritual. Francisco dedicava boa parte de suas cartas à Bíblia e assuntos religiosos, temas que muitas vezes dominavam suas conversas. Contudo, por trás desse comportamento, a fonoaudióloga identificava uma manipulação persistente, especialmente quando ele desviava de perguntas incômodas ou evitava tocar em detalhes específicos de seus crimes.
Para aprofundar sua análise, Simone contou com o auxílio de um psiquiatra que interpretou os sinais de desorganização mental exibidos por Francisco. “Ele começava um assunto, terminava em outro: o que mais me chamava atenção era a desorganização do pensamento”, comentou. Esse estudo detalhado, no entanto, também envolveu um desgaste emocional, especialmente durante os questionamentos mais incisivos.
Durante o processo de escrita, Simone enfrentou o desafio de captar a essência de Francisco sem se deixar levar pela manipulação presente em seus relatos. Cada visita ao presídio era meticulosamente registrada em anotações logo após sair, enquanto ainda estava imersa no impacto emocional do encontro. “Na saída da penitenciária, tinha um posto de gasolina, onde ficava por um tempo colocando tudo no papel, para não esquecer nada. Estava absorvida por aquele projeto,” conta.
Francisco, por sua vez, oscilava entre curiosidade sobre a vida pessoal de Simone e sua própria experiência dentro do sistema penitenciário. Ele perguntou diversas vezes sobre a possibilidade de ser solto em 2028, data prevista para uma reavaliação de sua sentença.
“Francisco disse que, para ele, estava tudo bem se ele não fosse solto. Mas isso é o que ele diz —o que se passa na cabeça dele nunca vamos saber de verdade,” explica Simone.
Com o projeto concluído e a publicação do livro, Simone reflete sobre as lições tiradas dessa experiência. Ela acredita que o caso de Francisco expõe a fragilidade do sistema prisional brasileiro e a negligência com as patologias mentais graves. “Tenho plena noção de que ele é uma pessoa doente, do mais grave nível,” relata Simone.
A autora também alerta para o tabu social que ainda cerca a saúde mental no Brasil, especialmente em contextos de violência. “A psiquiatria é uma especialidade que ainda tem pouco investimento. Deveria ter um sistema voltado para esse tipo de recluso,” diz.
Ao finalizar com Francisco, Simone deixou claro que sua missão havia sido concluída, embora as cartas continuem a ser trocadas, agora mediadas por uma advogada. “Não houve uma despedida formal e, mesmo que tivesse tempo para isso, não sei se faria, porque não sei como ele reagiria,” finaliza Simone.
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