Privatização do aterro sanitário de Goiânia pode aumentar em 638% em comparação ao valor atual
A Prefeitura de Goiânia anunciou, no Diário Oficial do Município, uma licitação promovida pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), que pode agravar ainda mais a crise financeira do município. O edital, publicado em 29 de outubro, prevê a privatização de ao menos 40% dos resíduos que chegam ao aterro sanitário da capital. No entanto, o certame levanta preocupações devido aos valores envolvidos: enquanto a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) recebe cerca de R$ 18,33 por tonelada, a empresa vencedora poderá embolsar R$ 117,00 por tonelada — um aumento de 638% em relação ao valor atualmente pago. Especialistas alertam que essa discrepância nos custos pode ter um impacto significativo nas finanças da prefeitura.
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Dessa forma, no apagar das luzes, a administração atual pode deixar um verdadeiro “cavalo de Troia” para a gestão que assumirá a prefeitura em janeiro de 2025. Para se ter uma ideia, o aterro sanitário recebe atualmente 110.000 toneladas por mês, com um custo de R$ 2.016.325,63. No entanto, a empresa vencedora do pregão será responsável por recolher apenas 14.000 toneladas, ou 40% desse total, com um custo mensal de R$ 1.638.000,00. Assim, a empresa vencedora recolherá 96 toneladas a menos que a Comurg, mas com uma diferença de custo de apenas R$ 378.325,63.
O promotor de justiça Juliano Barros Araújo, titular da 15ª Promotoria de Goiânia e encarregado do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2020 pelo então prefeito Iris Rezende, orienta o município a terceirizar parte do serviço, sob a alegação de que o aterro de Goiânia não suporta receber a quantidade de resíduos atual. Na sua justificativa, o promotor enfatiza que essa medida prolongaria a vida útil do aterro.
Há de se ressaltar, porém, que os números revelam uma desproporção elevada entre os valores. Considerando a idoneidade do promotor e a lisura do Ministério Público de Goiás, por que continuar com esse TAC que impõe a privatização, visto que há a previsão de um rombo de R$ 1,5 bilhão nas contas da prefeitura que será deixado como herança para o próximo administrador?
A licitação prevê que as empresas participantes mantenham aterros devidamente licenciados ambientalmente em operação, localizados nos municípios limítrofes e integrantes da Região Metropolitana de Goiânia. Como já foi publicado em outra matéria pelo Jornal Opção, apenas duas empresas na região metropolitana de Goiânia têm capacidade técnica para oferecer esse tipo de serviço: a Resíduo Zero Ambiental, localizada em Guapó, e a CTR Metropolitana, em Aparecida de Goiânia. É seminal ressaltar que o aterro sanitário de Goiânia possui uma vida útil de 17 anos.
Termo de Ajustamento e Conduta
Em 2020, o Ministério Público de Goiás e a Prefeitura de Goiânia estabeleceram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a intenção de aprimorar e adequar a gestão de resíduos no aterro sanitário da cidade. O acordo foi assinado no Paço Municipal pelo então prefeito Iris Rezende, que reconheceu a importância de implementar tais medidas. O objetivo era converter o aterro em um Centro de Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos (CTDRS), em conformidade com a Lei nº 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico e estabelece um prazo final para sua implementação em agosto de 2024.
Entre os pontos cruciais a serem abordados, destacam-se a falta de um licenciamento ambiental adequado e a urgência em adaptar as instalações, além da necessidade de instituir uma gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos. Tais medidas são estipuladas pela Lei Federal 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Em entrevista ao Jornal Opção, em abril deste ano, Juliano Barros Araújo explicou por que os preços podem parecer elevados: “A Comurg não faz a captação dos gases, não implementa um sistema de drenagem adequado e não trata o chorume, o que justifica um custo menor. É importante destacar que parte do valor cobrado pelas empresas é destinada ao descomissionamento do aterro, e todos esses custos estão inclusos. A nova lei de 2020 reconhece que o Estado não possui capacidade de investimento e manutenção desse serviço”.
Contraponto
Regina de Amorim Romacheli, professora projetista de aterro sanitário, engenheira civil, consultora na Projetos Meio Ambiente e mestre em Meio Ambiente pela UnB, contrapõe e enfatiza que, considerando que o aterro da capital possui uma longa vida, não há necessidade urgente de uma licitação para terceirizar o serviço. “O que precisa é adequar o espaço existente e, se necessário, fazer a aquisição de áreas adjacentes, já que elas existem.”
Regina de Amorim ressalta que as exigências descritas no TAC são corretas e necessárias para qualquer aterro, seja público ou privado. “O que não está certo é obrigar o município de Goiânia a terceirizar 40% dos resíduos, uma vez que o aterro ainda tem viabilidade técnica para aterramento”, afirma.
A especialista avalia que uma previsão de 17 anos de vida útil remanescente para o aterro de Goiânia é um privilégio para o município, considerando que muitos municípios goianos já enfrentam a exaustão de suas capacidades em aterros sanitários ou não têm mais áreas disponíveis para tal atividade.
De acordo com a projetista, o Aterro Sanitário de Goiânia possui áreas próximas que poderiam, mediante processo de desapropriação, contribuir para a ampliação de sua vida útil originalmente prevista. “Essa expansão garantiria a manutenção da área para o depósito de resíduos por um período mais prolongado, evitando a necessidade de destinação de novos locais para a atividade.”
A engenheira civil enfatiza que, além de assegurar a continuidade do aterro na área atual, a concentração dos resíduos em um único local traz importantes vantagens ambientais. “Ao centralizar os impactos potenciais decorrentes da atividade, as medidas de controle se tornam mais eficientes, e a gestão das externalidades ambientais, como emissões de gases e contaminação do solo, se torna mais prática e integrada. Isso faz com que o empreendimento atinja um patamar de sustentabilidade ambiental mais elevado, alinhando-se a práticas modernas de gestão de resíduos sólidos.”
A professora explica que a aterragem de resíduos sólidos na capital goiana gera um custo de R$ 18,33 por tonelada para os cofres públicos. Em contraste, o mercado privado apresenta um custo estimado de R$ 117 por tonelada, o que representa um aumento de 6,38 vezes em relação ao valor atual. “Com uma geração mensal de 14.000 toneladas de resíduos, a mudança para serviços privados implicaria um desembolso anual superior a R$ 16 milhões em comparação ao que a população já paga pelos serviços”, mostra.
A projetista reitera que o TAC elaborado aponta a necessidade de medidas estruturais no aterro sanitário para garantir seu funcionamento, incluindo a adequação da Estação de Tratamento de Efluentes, estudos técnicos para controle de emissões e melhorias no sistema de drenagem, entre outras. “Embora essas adequações exijam investimentos significativos, como a aquisição de terrenos e infraestrutura acessória, muitos desses custos já foram amortizados ao longo do tempo”, avalia.
A especialista alerta que, mesmo considerando que as adequações propostas no TAC podem elevar os custos para a Prefeitura de Goiânia, podendo até triplicar o valor atual, o montante ainda estaria aquém dos R$ 117 por tonelada exigidos por uma unidade privada. “Vale destacar que os aterros privados também devem cumprir as exigências listadas, o que significa que os custos adicionais também impactarão esses serviços.”
Para a projetista, é crucial que as operações no aterro sanitário, assim como todas as obrigações estabelecidas no TAC, sejam monitoradas rigorosamente, já que a longevidade da área está diretamente relacionada à qualidade da operação. “Assim, a proposta de substituir o serviço público por uma empresa privada, com custos tão elevados, requer uma avaliação detalhada e um amplo debate, especialmente considerando a viabilidade técnica e ambiental do aterro de Goiânia”, afirma.
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