O avesso do avesso do avesso
Carlos Brickmann
Um lendário político mineiro, José Maria Alkmin, era conhecido pela rapidez em tomar providências. Ouvia o pedido (do eleitor, do parlamentar, fosse quem fosse), pegava o telefone, dizia: “Ligue para Fulano, por favor”. Pouco depois, o telefone tocava, ele atendia, pedia que a reivindicação fosse logo atendida e ressaltava seu apreço por quem a havia pedido. Todos saíam felizes da audiência. Nunca souberam que o telefone não era ligado à rede.
No momento em que ficou claro que a reforma da Previdência passaria nos moldes propostos pelo Governo, Bolsonaro sugeriu que a desfigurassem, mantendo a aposentadoria de policiais como era antes. Terá sido ingênuo, ao reduzir o porte da reforma, ou estaria, como Alkmin, falando para ninguém, num telefone desligado? Não é fácil acreditar que um ingênuo chegue à Presidência. É difícil acreditar que Bolsonaro seja esperto o suficiente para enganar as raposas do Centrão e proximidades. Político não é infalível, mas estes, especialmente, ganharam fama por ser matreiros, difíceis de enganar.
Dizem que Bolsonaro é tosco. Mas, depois de uma carreira parlamentar longa e discreta, foi ele que superou caciques como Alckmin e Haddad, o Lula sem barba; e, montado num partido nanico, superou PSDB, PMDB, PT e outros mamutes. Esperto ou ingênuo? É preciso esperar: só o tempo o dirá.
Mas, se não estiver sendo esperto, por que tentou convencer o juiz a desmarcar o pênalti a seu favor? Em política, um erro assim seria inaceitável.
A verdade das sombras
Em política, o jogo de sombras é tão importante quanto o mundo real. É verdade não o que realmente ocorreu, mas o que parece ser verdade. Jogando este jogo, Getúlio Vargas, que foi ditador, que implantou uma Constituição baseada na Carta fascista da Polônia, que louvou, num célebre discurso, os novos tempos que se iniciavam com a entrada das tropas nazistas em Paris, passou à História como político de esquerda. É um mundo estranho. Alguém que pergunte quem foi o político mais hábil, Alkmin ou seu parente paulista Geraldo Alckmin, sempre terá a resposta Alkmin. Mas Alckmin foi quatro vezes governador de São Paulo, duas vezes candidato à Presidência (embora derrotado); Alkmin não chegou ao Governo de Minas e foi vice-presidente (indireto) do marechal Castello Branco, sem direito real a tomar posse.
Posto em silêncio
Outro fato a considerar é o silêncio do ministro Paulo Guedes, o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Embora a reforma da Previdência que se desenha não seja a sua, ele a aceita porque também deve gerar economias de R$ 1 trilhão em dez anos. Por que nada falou quando Bolsonaro propôs que uma fatia do trilhão seja retirada? De duas, uma: ou não acredita que a proposta seja para valer ou acredita que pode passar à História como o grande reformador da Economia brasileira. Talvez acredite. Mas, se a economia brasileira gerar empregos e for competitiva, o herói histórico será Bolsonaro, não ele.
E agora?
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, coordenador de fato da marcha da reforma, acha que os deputados podem votá-la, em dois turnos, até o dia 18, último antes do recesso. Mas parlamentares do Centrão falam em votar só em primeiro turno, deixando o segundo para o próximo semestre e vendo o que é possível arrancar a mais do Governo. Parlamentares (em especial do PSL de Bolsonaro), a favor de manter policiais fora da reforma, também podem tentar atrapalhar a votação. Se Bolsonaro se mover, a reforma passa, sem que nenhuma facção consiga adiar a votação. Aí só faltará o Senado.
A voz de quem vota
Bolsonaro falou em retirar os policiais da reforma, mas, na opinião dos eleitores, ninguém deve ter normas mais amenas que as gerais. Pesquisa do Ibope, por encomenda da CLP – Liderança Pública, mostra que 79% dos pesquisados querem normas de aposentadoria iguais para todos. Para 82%, é preciso sacrificar-se agora para garantir a aposentadoria das gerações futuras.
Os mais iguais
Enquanto a população aceita sacrifícios, há setores que só pensam em faturar mais. O Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, mostrou que em dois anos as tarifas bancárias subiram muito mais que a inflação: o dobro, ou quase isso. Foram medidos 70 pacotes de serviços dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Bradesco e Santander). O aumento médio foi de 14%, contra 7,45% de inflação no período. Houve pacotes que subiram 50%. Um deles atingiu 89%, onze vezes superior à inflação. Bancos oficiais elevaram as tarifas tanto quanto os privados, o banco estrangeiro se comportou como os nacionais. Seja estatal ou privado, nacional ou estrangeiro, o fato é que banco é banco.
Mais sombras
Viu o vídeo de Bolsonaro num hotel barato, no Japão? É real – mas velho. Do início do ano passado, quando era candidato e viajou com os filhos.
Carlos Brickmann é jornalista (carlos@brickmann.com.br).
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