José Jayr Mortari, de 81 anos, mais velho dos 11 irmãos, é praticamente um sobrevivente. Nascido no interior de São Paulo, em Tupã, ele migrou para Campo Grande antes da divisão do Estado e junto com ele veio toda a família. O homem que não dá sossego pro anjo da guarda e adora contar uma história recebeu a equipe de reportagem na casa onde mora com a esposa Pretina Teixeira Mortari, de 80 anos. Juntos há 55 anos, eles têm quatro filhos, sendo duas mulheres e dois homens, além de alguns netos e muitos sobrinhos. Proprietário da cerâmica Santa Rosa, que desde 1982, distribui tijolos na Capital e interior, Jayr viu boa parte da cidade ser erguida com o material que no começo era fornecido em entregas de bicicleta. Voltando no começo da própria história, ele fala sobre a infância e como era a vida em Tupã. Mostrando que o tempo não o fez esquecer os primeiros anos de vida, ele conta sobre a casa, a escola e o amigo da época. “Nasci em Tupã em uma olariazinha que tinha perto da estação de trem. Depois mudamos para uma olaria na Fazenda do Luar, meu pai era empreiteiro da olaria. Fui entrar na escola com nove anos, dona Edna foi minha primeira professora. Tenho muita recordação, lembro do meu primeiro amigo na escola”, comenta. Depois das aulas, por volta dos 11 anos, ele ajudava o pai a cuidar dos bezerros e a capinar o mandiocal. Aos domingos, a obrigação era ir com a família na igreja católica. Na época, ele recebeu o convite para estudar e virar padre, mas a mãe não deixou, pois ele era o mais velho dos irmãos. “Eu era o mais velho da turma, aquele que ajudava o meu pai. Aos 14 anos trabalhava com carroça, sabia fazer de tudo”, diz. No final de 1954, a família mudou de ares e foi viver em Dracena (SP) onde ficaram por quase 13 anos. Dali, eles viriam permanentemente para Campo Grande. Ao colocar os pés na cidade que estava longe de virar a capital do Estado, Jayr teve um bom pressentimento. “Quando mudei para Campo Grande estavam fazendo a rotatória da Coca-Cola, estavam fazendo a terraplanagem da universidade. De 1967 para 1968 foi tudo isso. Eu senti dentro de mim que Campo Grande ia explodir com a minha chegada”, destaca. A família arrendou três olarias e começou a acompanhar o ritmo de crescimento da cidade. Com grandes objetivos, ele planejava ter o próprio negócio. “Meu sonho era montar uma olaria grande, uma coisa pra mim”, explica. Antes da tecnologia ser o que é hoje e de criar a cerâmica, Jayr relata como fazia para trabalhar. “Era uma pobreza pra você ter ideia eu andava de bicicleta. Eu amarrava tijolo na garupa da bicicleta em 1968. Saía do lageado e ia para a Coronel Antonino, Bandeirantes, vender tijolo. Não era difícil de vender, mas na hora de receber era”, ri. Apesar de estar solteiro naquele tempo, Jayr namorava Pretina através de cartas. Os dois tinham se conhecido antes e mantiveram contato depois que ele saiu de Dracena. “A gente namorou por anos por carta, mas eu ia lá a cada três meses. A família dela sabia que apesar de eu ser pobre eu era bom”, fala. Os dois casaram em 1969 e assim foi oficializada a união que perdura até hoje. Os sustos de Jayr - Contada a primeira parte da história, Jayr passa a reviver a série de sustos que daria na família e, vez ou outra, seguem acontecendo. A primeira foi a descoberta do câncer no estômago há quase 20 anos atrás. Antes do diagnóstico, ele ficou 1 ano em casa sentindo dores, mas sem falar para ninguém. “Eu fui perdendo a fome, ficando magro, não comia nem caldo mais. O câncer cresceu e o doutor disse que tinha que fazer a cirurgia. Depois da cirurgia fiquei sete dias sem beber àgua”, recorda. Dois anos depois, Jayr voltaria a testar o anjo da guarda com um apendicite. “Fui pra Santa Casa e a hora me encaminharam para dentro, fizeram o procedimento e falaram que teria que fazer a cirurgia no dia seguinte porque o apêndice estava estourado. Falaram: ‘Não sei como você não morreu ainda”, conta. Com a cirurgia feita e tudo resolvido, o homem voltaria tempos depois para fazer uma cirurgia onde colocou prótese no joelho, que insiste em doer se ele fica muito tempo em pé. Além da prótese, Jayr também ganhou um marca-passo no coração. A série de acontecimentos, que parecem quase trágicos, é lembrada por Jayr com bom-humor já que em nenhuma das passagens pelo hospital sentiu receio pelo pior. “A coisa que menos tinha era medo, eu nunca tinha medo”, frisa. Entre histórias, lembranças e casos, vem uma das ‘artes’ mais recentes de quando comprou o touro. O animal era tão ‘bonzinho’ que deu uma cabeçada no meio do peito de Jayr, que apagou em seguida. “Ele era varador de cerca e veio em mim. Eu estava pertinho dele, ele bateu a cabeça em mim e caiu no chão. Eu não me lembro, o pessoal me acudiu, eu fiquei uns 20 minutos desmaiado”, diz. Com uma longa risada no final do relato, ele solta mais uma curiosidade. “Eu caí de escada. Eu tenho um anjo da guarda que no dia estava atendendo outra ocorrência. Ele era bacana e pediu pra outro amigo dele me atender”, comenta. Por enquanto, Jayr não anda dando sustos nem no anjo e nem na família. Aposentado há uns bons anos não dá pra dizer que a vida dele é tão sossegada porque no fim ele sempre apronta uma. Dividindo o tempo entre a chácara e a casa, ele sempre está cuidando da família de alguma forma. Quando pode, Jayr também aproveita para passear no Santana que adquiriu em 1993. O carro antigo é o xodó e companheiro na hora de cruzar a cidade. No fim, ele, que tem 1001 vidas, só agradece por ter um anjo da guarda pra lá de companheiro e tempo de sobra para reunir os parentes. Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e Twitter . Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui) . Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News .