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Октябрь
2024

José Alexandre Diniz: “Não falta informação. Para deter a pseudociência e o negacionismo, é necessário fomentar uma cultura crítica”

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José Alexandre Felizola Diniz Filho é professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde foi Pró-Reitor de Pós-Graduação. O cientista divide sua carreira entre as aulas, a pesquisa e a administração de órgãos como o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade, onde deu esta entrevista ao Jornal Opção

Como pesquisador, José Alexandre é bolsista de produtividade em pesquisa nível 1A do CNPq. Sua intensa produção científica o levou a ser internacionalmente conhecido, criando uma rede de colaboração com pesquisadores de todo o mundo. 

Coordenador científico do Programa “Araguaia Vivo 2030” da “Tropical Water Research Alliance” (TWRA), José Alexandre Diniz faz parte da equipe que, em um esforço científico inédito, faz expedições para coletar dados ambientais e socioeconômicos da região do Araguaia. Utilizando metodologias e abordagens inovadoras que permitam uma avaliação integrada da situação do rio, pesquisadores buscam propor soluções e estratégias para a conservação e uso sustentável dos recursos na bacia do Araguaia.

Nesta entrevista, o pesquisador dá sua perspectiva sobre seu trabalho no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UFG  — o único no Centro-Oeste (com exceção da UnB) a receber o conceito 7 na avaliação da Capes entre todas as áreas do conhecimento. Ele dá ainda sua perspectiva sobre a importância da educação científica, da divulgação do conhecimento, e sobre os problemas no financiamento da pesquisa no Brasil.

Italo Wolff — Em sua última entrevista ao Jornal Opção, em 2022, durante a pandemia de Covid-19, o senhor falou sobre a politização da ciência. Hoje, como está a situação? O senhor diria que a pesquisa científica voltou à normalidade, ou ainda há influência política sobre a academia?

Em alguns aspectos, ficamos com alguns resquícios da pandemia. Houve um desgaste muito grande da comunidade científica com o movimento da politização das universidades. Embora o governo de Jair Bolsonaro (PL) não tenha conseguido se manter no poder, sabemos que a polarização na sociedade continua. 

Há a herança que a pandemia deixou não apenas nas universidades, mas em todas as áreas. Por exemplo: em todo o mundo, a facilidade de fazer reuniões on-line acostumou as pessoas a trabalhar de casa, o que prejudica as relações. 

Jornalistas Italo Wolff e Ton Paulo entrevistam José Alexandre Diniz na sede do INCT | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Por outro lado, a pandemia deixou um legado positivo na área da comunicação entre academia e sociedade. Continuamos com nosso esforço de fazer divulgação científica, de convencer a sociedade dos resultados de nossas pesquisas, de combate ao negacionismo. 

Em nível federal, a mudança de governos trouxe mais apoio à ciência, mas a estrutura do país e a lógica do financiamento da pesquisa no Brasil tem problemas, portanto não voltamos aos patamares de investimento em conhecimento que tivemos de 2010 a 2012. Não temos um governo negacionista, mas temos um governo com problemas de financiamento. 

Italo Wolff — Na pandemia, houve grande esforço da comunidade científica para se comunicar melhor com a sociedade. Me lembro que cientistas reclamaram por mais incentivos para pesquisadores que também fazem comunicação. O senhor acredita que hoje a comunicação da ciência passou a ser mais valorizada?

Existe mais incentivo para a divulgação científica, sim. Hoje, todos os grandes editais trazem programas oficiais de comunicação. A exigência dos editais de que se contrate profissionais para relatar os projetos à imprensa, por exemplo, trouxe apoio financeiro para a atividade de divulgação científica. 

Mas, na minha opinião, essa ainda é uma questão delicada. Os cientistas continuam sendo pressionados a produzir, publicar artigos, e a preocupação com extensão é uma pressão a mais que divide o tempo do pesquisador. Acredito que uma boa solução é fazer parcerias com equipes especializadas em comunicação. Há cientistas que hoje estão focados na divulgação. 

José Alexandre Diniz: “Começamos a tentar equilibrar a produção de pesquisas com a produção de divulgação científica em termos que sejam aceitos pelas universidades” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

No Programa Araguaia Vivo 2030, por exemplo, trabalhamos em parceria com um grupo da Universidade Estadual de Goiás (UEG) em Anápolis, liderado pela professora Andréa Juliana, que se dedica à comunicação. Então, esse modelo está começando a surgir, porque a divulgação começou a ser reconhecida como uma atividade acadêmica importante. Por isso, é preciso ter pessoas especializadas cuja produção de divulgação seja de alguma forma equiparada com a produção científica. A academia começou a caminhar no sentido de equilibrar esses dois tipos de produção e avaliá-los em termos que sejam aceitos pelas universidades e institutos.  

Ton Paulo —  As bolsas para pesquisadores ainda estão aquém do necessário? Ainda há desistência dos estudantes da pós-graduação por atrasos e defasagem na remuneração para a pesquisa?

Sim, temos visto isso muito claramente em todas as áreas, no país inteiro. Quando o governo de Lula da Silva (PT) começou, houve uma tentativa de recuperar um pouco do poder aquisitivo das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, mas a valorização ainda está muito abaixo do que seria esperado, quando comparamos com a carreira acadêmica de outros países. 

É claro que temos um sistema de pós-graduação maduro, consistente, um dos melhores sistemas do mundo, mas, de certo modo, ele está em descompasso com o tamanho de nossa economia. Esse sistema cresceu muito no início dos anos 2010, mas, quando houve a crise econômica de 2015 e com toda a crise política que vivemos, ele foi reduzido e agora temos dificuldade de valorizar os profissionais. A estrutura de gastos do país em ciência e tecnologia é muito diferente do que acontece em outros países com quantidade semelhante de pós-graduados.

Acabamos criando um sistema muito grande, muito dependente de financiamento público, que não consegue valorizar de forma suficiente. O problema se agrava quando consideramos que os pesquisadores têm carreiras também como professores. A maior parte da pesquisa científica no Brasil está aqui, nas universidades públicas, mas, na realidade, há um desincentivo para conduzir pesquisas. Do ponto de vista econômico do professor, tanto faz se ele faz pesquisa científica ou não — sua carreira como professor é uniforme.

Isso se reflete nas bolsas, nos salários e na distribuição das atividades dentro da universidade. Há uma discussão sobre outros modelos de financiamento da ciência, uma nova forma de sustentar a pesquisa no país — mas é um diálogo muito inicial. Teria de haver uma grande reestruturação do sistema.

José Alexandre Diniz: “Temos um dos sistemas de pós-graduação mais consistentes do mundo, mas os gastos do Brasil em ciência são muito diferentes daqueles países com quantidade semelhante de pós-graduados” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Já há algum tempo se discute aproximar a universidade de institutos privados, que fariam parcerias para beneficiar a pesquisa científica. A discussão avançou nesse sentido?

Existem algumas iniciativas, principalmente na área da ciência aplicada. Este não é bem meu campo, porque eu trabalho mais com a área da ciência de base. Acredito que há muitas dificuldades para fazer esse tipo de parceria, e temos que lembrar que em todo o mundo, a maior parte do financiamento para a ciência de base vem do setor público — não há como escapar disso.

No caso da ciência aplicada (que desenvolve produtos e serviços que podem ser comercializados), para que  o modelo funcionasse, precisaríamos que as grandes empresas tivessem incentivo para desenvolver ciência e novas tecnologias, para absorver doutores. Isso não acontece. Sabemos que as companhias também têm tipo de dificuldade para fechar as contas. Às vezes, se pensa na iniciativa privada como sendo uma coisa fantástica, onde sobra dinheiro, mas a realidade não é tão simples. 

Existem parcerias em áreas aplicadas bem sucedidas, mas não é um modelo geral. Acho que ainda falta muito incentivo para que a iniciativa privada realmente entre no nosso sistema de ciência e tecnologia. Precisamos de mecanismos mais claros e mais efetivos para fazer essa aproximação.

Ton Paulo — Temos a impressão de que, hoje, a universidade apresenta seu trabalho para o setor privado, que pode se interessar ou não. Mas não parece haver entrada efetiva do setor privado na fase de desenvolvimento. 

Sim. A universidade tem capacidade de dar respostas efetivas para demandas; a pandemia mostrou isso, quando a academia reagiu até mais rapidamente do que o setor produtivo, empresarial. Então, existe a possibilidade de se engajar para dar respostas a essas demandas, mas, no final, a parte de arcar com custos do desenvolvimento dessa resposta foi pública. 

Essa aproximação com o setor privado seria importante, inclusive, para que o mercado pudesse absorver essa enorme mão-de-obra super qualificada que as universidades públicas formam. Atualmente, são profissionais com dificuldade de se inserir no mercado, porque o mercado científico encolheu bastante desde 2015. É uma das explicações para o fenômeno que algumas pessoas chamam de “fuga de cérebros”. O Brasil investe muito para formar esses profissionais, que são caríssimos, e que acabam trabalhando no exterior, onde são muito bem remunerados — mas o próprio Brasil não se beneficia do trabalho qualificado deles. 

José Alexandre Diniz: “Tudo com que interagimos é fruto de descobertas científicas dos últimos 300 anos. Se vivemos em uma civilização científica e tecnológica, por que precisamos divulgar a ciência?” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Ton Paulo — Acredita que parte desse distanciamento da universidade se deve ao fato de que boa parte da sociedade não sabe o que é produzido por ela? A pandemia foi uma exceção, mas o trabalho científico é mais amplo, e a população não acompanha esses avanços. 

O isolamento acadêmico é uma ideia bastante difundida, mas com que nunca concordei inteiramente. Existe a pressão sobre a comunidade científica para que ela mostre os resultados de seu trabalho à população — isso é uma coisa bacana, tudo bem, mas há o outro lado da moeda. Parte da produção científica acaba sendo aplicada e interferindo no dia a dia das pessoas. Essa parte já aparece na mídia, todos os grandes jornais hoje têm uma editoria de ciência e tecnologia — vocês do Jornal Opção são a prova disso. 

Acontece que a atividade científica é muito ampla, e as pessoas não se interessam por conhecer aquilo que não interfere diretamente em suas vidas. Isso não é necessariamente ruim, nem significa que a academia está isolada. As pessoas também não conhecem detalhes técnicos do que acontece nas indústrias ou agências, a menos que isso as afete. 

Com o avanço do negacionismo e da pseudociência, se criou a obrigação do cientista justificar seu trabalho à sociedade — como se ele não estivesse trabalhando a menos que preste contas. Há uma armadilha nessa ideia. Eu mesmo, que sou pesquisador, não sei todos os detalhes do trabalho de todos os meus colegas, porque é impossível. 

Vivemos em uma civilização absolutamente influenciada pela ciência e pela tecnologia; tudo com que interagimos é fruto de descobertas científicas dos últimos 300 anos. Se vivemos imersos em uma civilização científica e tecnológica, por que precisamos divulgar a ciência? Não há falta de informação científica; há muitos excelentes comunicadores científicos. O avanço da pseudociência e negacionismo se deve ao fato de que as pessoas não entendem o que acontece à sua volta. É necessário fomentar uma cultura crítica. As pessoas não se interessam pelo funcionamento do mundo por uma série de fatores culturais.

Italo Wolff — Então o senhor acredita que, para ensinar ciência aos jovens e à sociedade em geral, é necessário mudar a educação desde a base?

Seria necessária uma mudança cultural mais profunda. Não basta aumentar a quantidade de informação, é necessário preparar as pessoas para serem críticas em relação à informação. Se uma pessoa foi criada em meio ao pensamento fundamentalista religioso, por exemplo, não basta informá-la sobre a evolução.

Nossa sociedade tem uma estrutura que faz com que as pessoas não se interessem por absorver informações científicas. Uma visão de mundo mais racional compete com outras visões de mundo. Para mim, isso ficou muito claro durante a pandemia. O negacionismo quanto às vacinas me deixou muito pessimista, porque vi como as pessoas ignoram questões de vida ou morte, óbvias e presentes. Como posso esperar ser ouvido quando faço divulgação científica sobre evolução ou mesmo mudanças climáticas (questões importantes mas mais distantes)? 

Isso me faz ser cético quanto aos efeitos da divulgação científica. A ideia do professor no parquinho, na feira de ciências, tem um impacto muito pequeno quando consideramos toda nossa base social. Não é um problema apenas brasileiro — estamos vendo o que está acontecendo nos Estados Unidos. 

José Alexandre Diniz: “Já fizemos várias expedições, varrendo toda a bacia do Araguaia com amostragens e produzindo uma enorme quantidade de dados sobre biodiversidade” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Ton Paulo — Mesmo após a pandemia, o senhor percebe uma intensificação do negacionismo?

Muito. Os Estados Unidos são um país de contraste: têm os cientistas mais brilhantes, mas têm visões muito distorcidas em sua sociedade. Lembro que, conversando com colegas americanos, brasileiros se orgulhavam no passado de não ter tantos movimentos pseudocientíficos. Mas acontece que esses movimentos chegaram ao Brasil, e a internet tem um papel importante nisso, eu acho, porque tratam de ideias apelativas, favorecidas pelos algoritmos. 

Isso é seleção natural, na verdade. É a ideia de meme do Richard Dawkins: um pacote cultural equivalente ao gene que vai se propagar por seleção natural. Não importa se a ideia é boa ou ruim, se é verdadeira ou falsa, ela vai se propagar de acordo com a receptividade das pessoas. O negacionismo aumenta por um importante componente emocional, e o pensamento científico requer uma formação mais trabalhosa. 

Ton Paulo — Como Goiás está posicionado no Brasil em relação à produção científica? 

É difícil falar em geral de todas as áreas. O Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UFG é o único no Centro-Oeste (com exceção da UnB) a receber o conceito 7 na avaliação da Capes em todas as áreas do conhecimento. Então, nosso grupo vai muito bem; a área da ecologia e biologia é muito forte em Goiás. 

Houve nos últimos 30 anos um esforço da Capes de promover o desenvolvimento regional, incentivando universidades e centros de pesquisa fora dos grandes centros do Rio de Janeiro, São Paulo e parte do Sul. Goiás se beneficiou deste movimento. Também vale destacar nossa fundação, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), que tem funcionado muito bem e conseguido muitos recursos junto ao governo do Estado. 

Sei que outras áreas têm muitos pesquisadores de ponta, mas a nossa comunidade científica é uma comunidade relativamente pequena. Eu não diria que a academia goiana é maior ou menor do que a proporção do Estado nacionalmente, em termos de população. Mas, proporcionalmente, a gente está muito bem, porque a comunidade científica não é tão grande e a Fundação está conseguindo gerenciar um volume considerável de recursos nos últimos anos.

Ton Paulo — Podemos dizer que houve avanço em relação ao último governo?

Sim. Acho que o nosso sistema regional ou estadual de ciência e tecnologia melhorou muitíssimo. Em Goiás, a maneira como a Fundação passou a ser vista pelo próprio governo do Estado fortaleceu esse movimento nacional de regionalizar a produção científica.

Italo Wolff — O senhor escreveu no Jornal Opção sobre o projeto do Araguaia. Como está indo o Araguaia Vivo?

Está de vento em popa. Acabamos de realizar o primeiro encontro em Aruanã, para apresentar o rio a parte dos cientistas. As coisas estão andando muito bem, de acordo com o cronograma. Conseguimos outro financiamento adicional junto ao CNPq, só para a parte de biodiversidade, que é o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), um programa muito prestigiado. No fim deste primeiro ano de projeto, já começam a aparecer os primeiros trabalhos, as primeiras publicações. Publicamos, por exemplo, a parte mais tecnológica sobre o método para fazer análises de DNA a partir de água, para identificar fauna e organismos a partir de amostras de forma não invasiva.

Já fizemos várias expedições, varrendo a região inteira da bacia do Araguaia com amostragens e produzindo uma enorme quantidade de dados sobre biodiversidade, recursos hídricos, turismo, educação ambiental, socioeconomia, geodiversidade. Acabamos de fazer uma expedição grande para mapear riachos e fauna de riachos. Então, há muita coisa acontecendo e gradualmente agora chega a hora de processar isso nos laboratórios para que esse conhecimento se torne público. 

Italo Wolff — O senhor diria que ainda temos muitas lacunas de conhecimento sobre o Cerrado? 

Sim. Temos um grande grupo internacional trabalhando com isso: comparar as descobertas do campo com todos os dados de levantamentos prévios. De uma maneira geral, a fauna de invertebrados é super desconhecida. Em nossa primeira expedição, o pessoal da equipe de botânica, já encontrou uma nova espécie de planta, que foi descrita e foi submetida para a publicação.

Outra questão é que muitas espécies “comuns” não tinham catalogação genética, então, um olhar mais próximo revela diferentes organismos que se pensava serem uma espécie conhecida. Mesmo nas áreas mais exploradas, há várias possíveis descobertas: informações sobre partes do DNA vão nos ajudar a identificar diferentes espécies e entender as relações evolutivas entre elas. O sequenciamento genético ajuda a comparar populações que habitam diferentes bacias. O boto é um exemplo: sempre tratamos o boto do Araguaia como o do Amazonas, mas já se discute que podem não ser da mesma espécie. 

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