Como amotinados em prol de Bolsonaro se desmobilizaram sem a anistia em mãos
O motim de parlamentares bolsonaristas que impediu o acesso à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados na última quarta-feira, 6, será objeto de análise, especulação, revelações e vazamentos pelas próximas semanas, mas, desde já, é interessante notar como a pauta foi subvertida em bandeira corporativista. A “anistia ampla, geral e irrestrita” foi trocada pela promessa de pauta de quatro itens que compõem uma espécie de pacote blindagem parlamentar contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
A agenda que interessa da direita à setores da esquerda. Trata-se de dois projetos. O primeiro é o fim do foro por prerrogativa de função, o foro privilegiado. Historicamente, o direito de parlamentares serem julgados pelo STF foi compreendido como vantagem. A presença de Alexandre de Moraes e seu inquérito do golpe; e de Flávio Dino, com investigação contra a cúpula da Câmara na gestão de Arthur Lira (PP) por tentativa de burlar transparência no envio de emendas — os dois atores fizeram parlamentares sentirem que as primeiras instâncias das justiças estaduais são menos hostis.
O segundo projeto diz respeito à necessidade de autorização do Congresso para que a Polícia Federal investigue um parlamentar, além de prisão apenas em casos de flagrante ou por crime inafiançável. A regra valeu desde a Constituição de 1988 até 2001, quando foi revogada pelo próprio Congresso em uma campanha pela ética em meio a denúncias de corrupção.
A justificativa para tornar a defesa de Bolsonaro em projetos que protegem os próprios parlamentares é a de que, menos vulneráveis ao STF, congressistas estariam mais livres para atuar em favor da anistia. A premissa faz sentido: deputados e senadores podem ser tímidos em suas posições que contrariam os interesses do STF porque seriam julgados pela mesma Corte. Entretanto, uma vez adquirida a recompensa da blindagem, pode ser que se esgote o estímulo para perseguir a anistia.
Os deputados que concordaram com o acordo foram membros do PL, PP, UB e PSD; com importante aposto do presidente do Republicanos, Marcos Pereira, que afirmou: “se pautar a anistia e o fim do foro privilegiado, não teremos como votar contra.”
O fechamento de tal acordo atalhou dois atores, cortando-os fora da equação: o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, que cantou vitória na imprensa durante a noite da quarta-feira, dizendo que havia acordado a votação da anistia, levou horas até ser desmentido. Na manhã da quinta-feira, 7, deu entrevistas pedindo perdão a Hugo Motta (Republicanos), presidente da Casa. “Motta não assumiu compromisso de pauta nenhuma com a oposição”, disse desmentindo a promessa de colocar o texto em debate. “O presidente Hugo Motta não foi chantageado por nós. Ele não assumiu compromisso de pauta nenhuma conosco.”
Antes da sessão desta quinta, Motta comentou com jornalistas que, mesmo com toda tensão criada, foi possível pautar “a solução menos traumática para que a Casa pudesse retomar a sua normalidade”. “Penso que, mais uma vez, o diálogo prevaleceu. Nós tivemos a capacidade de conversar o dia todo com todas as lideranças, de poder demonstrar que nós não abriríamos mão de reabrir os trabalhos ontem, conforme o nosso regimento prevê, respeitando a nossa Constituição, respeitando o direito ao contraditório”, comentou. O fato é que Motta foi outro ator atalhado na negociação.
O ex-presidente Arthur Lira fez o trabalho de fechar o pacto com o colégio de líderes. Em uma espécie de acréscimo à sua presidência na Câmara, Lira finalmente negociou uma pauta que tentou mas não foi capaz de aprovar em seu mandato: a tramitação do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O texto é relatado pelo próprio Lira, e seu trânsito seguro na Câmara foi oferecido como moeda de troca pelo apoio ao pacote de blindagem. A alternativa dos bolsonaristas era empacar o texto de isenção do IR, crucial para o governo, caso a anistia não fosse pautada.
A anistia, porém, não foi pautada, há apenas a promessa de discussão, que pode ou não se concretizar. Da mesma forma, o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes encontrou um freio conveniente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, afirmou que este tópico é prerrogativa exclusiva sua — o pedido pode ter 81 assinaturas, não será pautado. Desta maneira, com a segurança de que a briga com o Supremo seria de alguma forma contida, centristas podem ter se sentido mais confortáveis para apoiar a pauta bolsonarista. O resultado foi uma troca da defesa de Bolsonaro por uma defesa de interesses próprios.
Vale destacar que Alcolumbre é um dos criadores do atual modelo de distribuição de emendas. O presidente do Senado é alguém que se preocupa sobremaneira com investigações de desvios na destinação das proposições legislativas a municípios. A mudança do foro, que tira os processos das mãos de Flávio Dino e confere aos investigados a chance de serem absolvidos pela primeira e segunda instâncias — tudo isso ajuda a explicar por que amotinados em prol de Bolsonaro aceitaram se desmobilizar sem a anistia em mãos.
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