Não adianta aplaudir o vídeo do Felca e não entender a importância de regulamentar as redes sociais
O youtuber paranaense Felipe Bressanim Pereira, o Felca, de 27 anos, faz parte da classe de influenciadores que usam humor ácido e carisma para gerar conteúdo engraçado e viral, do tipo que rende cliques e, automaticamente, monetização. No entanto, Felca parece ser um dos poucos de uma subclasse dessa categoria que têm consciência do grande alcance que possuem e o utilizam também para fins importantes e necessários.
Felca, além dos vídeos engraçados de react que está acostumado a fazer, tem abordado frequentemente a questão da saúde mental, por exemplo, usando a própria experiência como exemplo de como transtornos como depressão e ansiedade podem atrapalhar a vida de uma pessoa, e ressaltando o quão importante é buscar ajuda profissional.
Na última semana, o youtuber furou a bolha e publicou um vídeo tão viralizado que virou notícia nos principais sites do país. Com quase uma hora de duração, imagens que circularam na internet mostram o vídeo sendo reproduzido até em locais como barbearias e lanchonetes. O conteúdo aborda um tema frequentemente visto, mas raramente debatido, e ainda menos punido: a sexualização e adultização de crianças e adolescentes.
Felca fez uma espécie de experimento social e mostrou como o algoritmo de redes sociais como o Instagram entrega, de forma explícita e descarada, conteúdo envolvendo menores de idade em situações inadequadas, sendo “adultizadas” ou tendo suas imagens exploradas por adultos.
O youtuber citou como exemplo o influenciador Hytalo Santos. Desde 2024, Hytalo é investigado pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) por possível exploração de menores nos conteúdos que publica nas redes sociais. Ele tem mais de 20 milhões de seguidores e ficou conhecido por vídeos ao lado de crianças e adolescentes, muitos menores de idade, dançando, falando sobre relacionamentos e se referindo a esses jovens como “filhos”.
A repercussão do vídeo de Felca foi tanta, e a indignação gerada tão grande, que a conta de Hytalo no Instagram saiu do ar, fato noticiado por diversos jornais.
O vídeo de Felca, que tocou o dedo na ferida, recebeu rasgados elogios de todos os espectros da política, da direita à esquerda, que aplaudiram a iniciativa de um jovem que, de forma destemida, e se expondo até a ameaças de morte, como ele mesmo revelou, expôs como funciona o submundo de uma rede de exploração de crianças e adolescentes.
Mas muitos dos que celebram com euforia a atitude de Felca parecem focar apenas nos efeitos do problema, esquecendo um de seus principais propulsores: a falta de regulamentação das redes sociais.
O tema ganhou novos contornos com ações recentes do Palácio do Planalto, articulações no Congresso Nacional e processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF). A principal polêmica gira em torno da responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos publicados por usuários, como fake news, discursos de ódio, incitação à violência ou crimes contra crianças e adolescentes.
Enquanto uma pequena parcela da sociedade, formada por desinformados e por interessados na ausência de regulamentação, como as próprias big techs, tenta fazer barulho contra a iniciativa, acusando as instituições de censura e ataque à liberdade de expressão, vídeos como o de Felca deixam claro o estrago que a falta de regulamentação, que inclui a não responsabilização das plataformas pelo conteúdo publicado, pode trazer à sociedade.
Em junho, por 8 votos a 3, o STF decidiu que as plataformas que operam redes sociais devem ser responsabilizadas diretamente por postagens ilegais feitas por usuários. Após várias sessões seguidas, a Corte decidiu pela inconstitucionalidade parcial do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabeleceu direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
O texto final definiu que o Artigo 19 não protege os direitos fundamentais nem a democracia. Além disso, enquanto não for aprovada nova lei sobre a questão, os provedores estarão sujeitos à responsabilização civil pelas postagens de usuários. Esse é o grande ponto.
Mais uma vez, o STF assume protagonismo diante da omissão do Congresso, que mantém a regulamentação das redes em banho-maria e parece priorizar absurdos como a anistia dos condenados do 8 de janeiro.
Mais urgente do que anistiar criminosos é proteger crianças e adolescentes de uma rede de adultos mal-intencionados que se aproveitam da falta de responsabilização, deles mesmos e das big techs, para transformar as redes sociais em campos de atuação e aliciamento. Não adianta fazer discursinho bonito e aplaudir Felca se quem tem o poder não age para mudar a situação que ele expôs.
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