A doença de Jardel
Autodelação premiada. Sei que, legalmente, não existe. Mesmo assim, proponho que seja aplicada ao deputado Jardel. Em vez de contar o que sabe sobre os outros, ele contaria o que sabe sobre si mesmo. Como despencou do sucesso ao fundo do poço. Como a droga entrou na sua vida. O que sentiu quando parou de jogar, quando se deu conta de que não teria mais seu nome gritado pela multidão no estádio lotado.
Para isso, Jardel precisaria de ajuda. Não de um repórter, mas de profissionais da área da saúde, treinados para encarar verdades e para ajudar seus pacientes a enfrentá-las. Profissionais que saibam lidar com as famílias e com os círculos concêntricos de dor que se formam ao redor das pessoas abatidas pela química do vício.
Em vez prisão ou cassação, o acordo da autodelação premiada do Jardel preveria um tratamento médico de recuperação. Jardel se submeteria a uma espécie de Big Brother da desintoxicação. Totalmente exposto. Poderíamos acompanhar, em tempo real, a luta do craque contra a cocaína.
Não busco com minha proposta audiência ou diversão barata. Não. O drama de Jardel nos dá a oportunidade de, outra vez, falar sobre álcool e sobre drogas. E se a gente não falar abertamente, continuaremos ouvindo que Jardel é bandido, fraco ou mau caráter. Jardel é, na verdade, doente. Isso não retira a responsabilidade pelo que ele eventualmente tenha feito. Se desviou dinheiro, que devolva. Se errou, que pague. Mas, acima de tudo, o drama de Jardel nos abre uma janela para tratar de um tema delicado e importante.
Centenas de milhares de brasileiros sofrem porque têm vergonha, porque não conseguem admitir sua doença. Abstrair o julgamento e buscar a compreensão. É o nosso desafio.
Jardel é o homem certo para a missão. Porque é ídolo. Porque serve de exemplo. Porque fez sucesso. Jardel só precisaria de uma coisa: querer. Ter força de vontade. Se comprometer. A partir daí, torceríamos pelo seu sucesso. Acompanharíamos a batalha do aflito Jardel. Um dia depois do outro.
As chances de dar certo, de Jardel se recuperar, existem. Mas é difícil. São caminhos tortuosos, povoados por zagueiros violentos e desleais. Jardel vai apanhar. Talvez não caia.
Mesmo se, depois de tudo, não der certo, a autodelação premiada terá valido a pena. Para que a gente consiga entender que não é fácil se livrar das drogas. Que o vício é uma doença. Que o campeonato é mata-mata.
E quando a droga e o álcool empurram para o rebaixamento, não adianta xingar o árbitro. Porque, nesse jogo, o árbitro somos nós mesmos.