Luiz Fernando Cirne Lima: corruptores e corrompidos
Marilena Chauí, no ensaio Público, Privado, Despotismo, citando Maquiavel, diz que "a corrupção deve ser entendida como a ação de um particular ou de um grupo de particulares, saídos dos seios dos Grandes, que usam a República para seus próprios interesses privados".
Celso Lafer, em artigo de 2009, comentando o artigo 37 da Constituição de 1988, analisa o princípio da moralidade que adensa o conteúdo jurídico das normas, cuja inobservância configura a improbidade administrativa como modalidade de corrupção que propicia a associação ilícita entre o dinheiro e o poder.
À luz desses conceitos, considere-se um reino imaginário e atemporal, em que a corrupção crescente e cada vez mais generalizada chegou ao estado dramático da quase impunidade total.
Não era total, porque o modesto auxiliar, pobre e semimarginalizado, quando cedia à tentação de receber uma moeda de pequeno valor, para levar um documento de uma portaria para dentro da repartição pública, era severamente punido, como exemplo de administração "responsável, séria e austera".
Eis que, de repente, em um natural movimento de autocontenção e de autocorreção da sociedade, os organismos competentes do Estado imaginário começam a agir. E coibir, acusar, indiciar e punir os praticantes das contravenções e crimes, corruptores e corrompidos, até há pouco impunes.
Os ameaçados se juntam aos já punidos, ainda no reino imaginário, dizendo que o uso e costume era a impunidade, e que tem de haver uma antilei que os proteja desta entrada em vigor sem aviso prévio.
A primeira ideia que logo prevalece é a da mudança do soberano, pois um novo governante terá como tarefa restabelecer a impunidade e negociar um novo pacto mais discreto e menos acintoso.
Eis a grande ansiedade que vive o cidadão comum. A imputabilidade dos ricos e poderosos, sejam políticos, empresários ou profissionais liberais, é o grande fato novo desde o Plano Real.
As duas grandes tarefas que o Brasil tem pela frente são a retomada do controle da inflação e a manutenção do Estado de direito, em que todos — verdadeiramente — sejam iguais perante a lei.
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