"Sou viciado no longo prazo", diz presidente da MRV
Em 2014, quando a MRV concluiu seu processo sucessório, dividiu a empresa geograficamente entre o filho — Rafael Menin Teixeira de Souza — e o sobrinho — Eduardo Fischer Teixeira de Souza — do fundador, Rubens Menin. O patriarca é apontado como um dos criadores do Minha Casa Minha Vida, programa do qual a empresa é a maior beneficiária. Rafael ficou com a "primeira região" — MG, ES, RJ, Centro-Oeste e Nordeste — e Eduardo, com a "segunda região" — São Paulo e Região Sul.
Nascido no Rio, criado em Belo Horizonte (MG) e morando em São Paulo há anos, Eduardo, aos 41 anos, tem 23 anos de casa e fala em "crise aguda" com a mesma serenidade que menciona projetos de R$ 2 bilhões para Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
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A crise tem saída?
Eu tenho dito às pessoas o seguinte: quando você está em situação financeira boa, dificilmente faz cortes. No Brasil, é a mesma coisa. Vivemos anos muito bons, então, as circunstâncias não deram espaço para fazer esforço de ajuste fiscal. A situação atual, abre essa possibilidade. Não tinhamos condição, sequer, de discutir isso 4 anos atrás. As pessoas não estavam vivendo isso.
Agora, também, há essa questão política que está atrapalhando demais. Isso alonga a situação econômica. Para quem está vivendo no setor produtivo, a resolução disso é essencial.
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O impeachment é inevitável?
Eu não acreditava que o impeachment iria acontecer, pouco tempo atrás. Acho que não existia motivo. A situação política era favoravel. Mas hoje se vê uma comissão formada desfavorável ao governo. A situação se agravou. Agora, acho que pode aconteceer, mas continuo achando que pode não ser a melhor solução. O processo pode não ser tão curto, e isso vai ser sofrido.
O setor produtivo precisa de visão do futuro, se não, não investe. Se for ocorrer o impeachment, que ocorra rapidamente. Sou viciado em longo prazo. Não posso tomar decisão pensando no que está acontecendo hoje. Tenho que pensar na situação geral. Temos uma demografia favorável, um país que evoluiu muito nas últimas décadas. Mercado que, além de ser maior, está mais preparado. Isso vai continuar ocorrendo. Não posso tomar decisão pensando no que está ocorrendo nesse momento ruim, que pode, sim, estender-se até 2017.
O investimento em Canoas passa pela visão de longo prazo?
Fizemos a primeira fase de um lançamento importante na cidade, no valor geral de vendas de quase R$ 800 milhões. Vai em linha com nossa visão de que temos demandas não atendidas, inclusive aqui na Região Sul. Olhando para Rio Grande do Sul e Santa Catarina, temos uma meta de crescimento ambiciosa. Começou há dois anos, com investimento em terrenos em Canoas. Hoje, temos um banco de terrenos no valor de R$ 2 bilhões entre RS e SC. E continuamos investindo em novas áreas. Temos uma demanda no Barasil muito favorável ao setor de habitação. Ainda se criam mais famílais do que habitação aqui. O déficit habitacional continua crescendo.
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E há crédito para suportar essa demanda reprimida?
Há. A MRV é muito focada no financiamento via FGTS. O Minha Casa Minha Vida é um dos veículos desse modelo, mas antes de 2009, o fundo já concedia crédito nesses mesmos moldes. E nós trabalhávamos com esse formato. E um crédito saudável, barato e abundante. Há discussão sobre remuneração a do FGTS. A mudança aprovada na Câmara não é saudavel. Vai ter de se achar outra solução, uma que não comprometa a concessão de crédito.
Usar recursos do FGTS para a faixa 1 do Minha Casa Minha Vida é saudável?
Por conta da falta de recursos do Tesouro, muitas obras da faixa 1 estavam paralisadas. O ônus era gigantesco. Então, faz sentindo obter recursos para concluir essas unidades. É o que o fundo se propôs a fazer, parte em 2015 e outra em 2016. O valor é limitado a R$ 8 bilhões. A partir daí, volta-se para a operação normal. É para equalizar esse passivo de obras. A maioria dos ônus da sociedade são frutos da urbanização e habitação irregular. Quando não se dá condiçõs para que a família seja atendida por habitação regular, vai procurar uma alternativa irregular. Isso gera problemas futuros, como levar serviços essenciais para essas pessoas. A missão da nossa sociedade é atender a essas famílias.
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Qual o peso do Minha Casa Minha Vida para a MRV?
A operação com o FGTS, hoje, é 90% do negócio. Atualmente, o MCV. Mas antes de 2009, não era, e nós tínhamos o mesmo modelo.
Há risco para o programa em caso de troca no governo?
Quase todas as nações têm política para habitaçaõ de baixa renda. O Brasil sempre teve. Esse é só o último veículo. Se deixar de existir, voltaremos ao modelo anterior, que é com o financiamento pelo FGTS. Não vejo um cenário de ruptura nessa situação.
Quando a empresa chegou ao Estado, houve alguns problemas na entrega, o que comprometeu a imagem. Isso foi revertido?
Entramos aqui por meio de empresas parceiras, que, realmente, não conseguiram acompanhar o ritmo e as entregas e a qualidade que a gente exige. Gerou um barulho. Hoje, a situação é normal. Os empreendimentos aqui nesta fase são todos operações da própria MRV, inclusive, com prazos de entrega adiantados. Assim que identificamos o problema, agilizamos a sua solução. Tomamos as rédeas e normalizamos em um período mais curto possível. Nosso desafio dos últimos dois anos tem sido o de crescer ainda mais aqui, o que culminou nesse investimento em Canoas. E, em 2016, vai trazer outros negócios.
É o inicio de um desembarque mais maciço, então?
Criar negócios é muito dificil. Então, tem de se conhecer os hábitos daquela praça. Tem uma curva de aprendizado, que é longa. Não faz sentido se esforçar para empreender no local e depois abandonar. Custa muito caro. A entrada da empresa em determinado local é para sempre. Trabalhamos em 133 cidades, e nunca deixamos uma delas.
No segmento, há uma preocupação com a devolução de imóveis. Isso afeta a MRV?
Isso afeta muito pouco a gente. Como fazemos a transferência da titularidade para o cliente já na venda, o distrato não acontece. Mas essa situação é danosa para o mercado. Para colocar uma incorporação de pé, há custo altíssimo. Quando faz a venda, o compromisso, é uma realidade. Se ao longo desse processo, muitos clientes deixam de estar no negócio, compromete quem fica. Essas regras do distrato têm de ser muito bem colocadas para o mercado, até via lei.
Isso é consequência da crise. Há solução viável?
É importante estabelecer parâmetros legais. Mas em termos econômicos, eu não vejo solução. Há casos de pessaos que fazem distrato porque perderam emprego, mas também tem uma parte, não pequena, que deixa de participar do negócio porque acham que ele não faz mais sentido na cabeça delas. Isso que tem de ser observado.
Na época do chamado "boom imobiliário", dizia-se que a MRV poderia se tornar a maior construtora do mundo em número de unidades. É uma ambição?
Não, de forma alguma. Primeiro, falando sobre a bolha. As pessoas esquecem que 30 anos antes de 2004, esse mercado não existia. Quando se cria o marco regulatório para concessão de crédito, todo esse potencial é destravado. Aí, há correções. Não foi uma bolha. Tanto que estamos vivendo uma crise aguda, e nenhuma bolha estourou. A concessão de crédito no Brasil é muito responsável. Em relação a ser a maior do mundo, temos de ver o que a MRV faz hoje. Atualmente, construímos 40 mil unidades por ano. Em 2015, serão 42,5 mil chaves entregues, o que equivale a três chaves por minuto. Em quantidade, somos, sim, uma das maiores do mundo. Temos as chinesas que entregam em torno de 70 mil a 100 mil unidades. Não temos essa ambição. Temos crença de que há uma demanda não atendida, e que podemos supri-la. Não existe obsessão em ser a maior do mundo.
A MRV é uma empresa familiar que passou por processo de sucessão recente. Quais foram as lições dessa transição?
Somos uma empresa familiar, mas temos capital aberto — 65% das ações estão fora da família. Mas como empresa aberta e com o fato de nós termos um controle forte e um compromisso de longo prazo, estamos no dia a dia pensando no que vai ser da MRV nos próximos 10 anos. A transição começou nessa premissa. Começamos lá atras a criar esse modelo. E continuamos em transição. Todo o corpo gerencial e os funcionários da empresa têm compromisso de longo prazo. Esse tem de ser o foco, porque aí não há uma ruptura.