O retorno ao retorno
“Caderno de Memórias Coloniais”, de Isabela Figueiredo (2009), e “Retorno”, de Dulce Maria Cardoso (2012), dão carne, rosto e voz aos retornados. No primeiro caso, a frieza impiedosa com que a experiência colonial é retratada na primeira pessoa (ou na terceira, através do retrato do pai da autora) deixa pouco espaço para os rodriguinhos luso-tropicalistas com que gostamos de nos embalar. No segundo, onde qualquer julgamento político é pouco evidente, temos a oportunidade de acompanhar a experiência traumática do retorno de uma família, contada por um adolescente que vive algures entre a biografia da autora e uma ficção realista. No seu terno e sereno amargor, dá aos retornados o direito à sua própria biografia. Porque não pretende qualquer ajuste de contas, desarma finalmente a surdez de um país indisponível para se comover com a estrondosa aventura que foi vivida por centenas de milhares de compatriotas. Uma aventura que fez deles, muitas vezes, estrangeiros na sua própria pátria. A Câmara Municipal de Lisboa teve a coragem de organizar, este ano, um exaustivo programa de debates e exposições sobre a colonização e o retorno sem se sentir obrigada a qualquer declaração política prévia. Primeiro os escritores, depois as instituições políticas. O país já está disponível para ouvir os retornados. Não tem, para o fazer, de pedir perdão pelas opções políticas que fez. Basta ouvir. Talvez isso não fosse possível antes e talvez agora seja tarde demais. A acomodação dos povos à sua própria história tem os ritmos que tem. Os retornados, esses, refizeram quase todos as suas vidas e estão em todo o lado. Sem culpa, sem pecado, são parte da nossa história.